Numa sala de consulta, no Hospital de Staª Maria, encontravam-se 2 especialistas de reconstituição Max-facial, cada um, com o seu doente. Estávamos a 4/12/2007. Um dos doentes presentes, era o Artur. Mais uma vez, o Cirurgião afecto a Artur, após um diálogo de situação prévia, do porquê de sua presença, que muito nos espantou (havia uma ficha clínica com dados e apontamentos seus, inscritos por Aquele) observou os TAC`s de Junho de 2007, os últimos efectuados. Depois, após observação minuciosa, dirigiu-se ao Seu Colega, convidando-o a observar aqueles, comentando e trocando impressões, troca de olhares entre eles e entre ambos e Artur.
..." nunca tal vi!..." retorquiu o Segundo. ..."é espantoso, como pode ser... Não há dúvida, é um caso muito interessante, deveria de ser motivo de estudo..."
Regressou ao seu posto, continuando a consulta interrompida , enquanto o médico de Artur, se ausentou por escassos minutos, à sala do lado.
Com um certo nervosismo, Eu e Artur, esperávamos alguns esclarecimentos para a "dita" reconstituição facial esquerda, aquela que ao longo dos tempos era anunciada como imperativa e, que esteve na base da transferência rápida de Artur de um hospital para outro... 7 longos e ansiosos meses torturantes, com carácter de urgência.
Quando a porta lateral se abriu, reapareceu o Cirurgião que, numa compensação pelo tempo de espera , começa a informar
..."Pois é, vamos ter de te abrir o crânio, serrar o osso, puxá-lo para cima, e vamos colocar-te uma placa presa com parafusos..."
Perplexos perante o acabado de ouvir, originou uma troca silenciosa de olhares entre mim e Artur. Ao longo do tempo, Eu sabia de alguns pormenores, mas daquela forma, nenhum de nós tínhamos conhecimento.
Perante os factos, o Artur, conhecedor de apenas uma operação para reconstituir uma parte de sua testa triplamente fracturada entre outros, com um pedaço descaído sobre e dentro de olho esquerdo, havia preparado 2 perguntas simples mas fundamentais para a decisão que deveria de tomar, sim ou não à operação. Cabe a Artur dizer e assinar autorização e responsabilidade desta, em conformidade com as Leis vigentes.
Assim, nos seus 18 anos, tem de assumir, um facto sob todas as formas e meios, bem como consequências, uma decisão, uma, que creio, será a maior de todas as decisões que venha a tomar, na sua vida e para toda a vida!!!
Naquele momento, que parecia bem preparado para uma definição, múltiplas questões se colocaram, dúvidas, medos e demais naturais das circunstâncias, uma chuva diluviana.
O passado mal enterrado, um presente de franca recuperação que reabre uma vida futura plena, é brutalmente ofuscada pela sombra num amanhã sem respostas previsíveis, sem conhecimentos efectivos , cheio de possíveis consequências desconhecidas ou conhecidas por outros, apenas confirmado que..."o visual físico, a imagem do rosto, não vai sofrer alterações, isto é, não fica melhor do que actualmente está..."
Apercebemos-nos que, a falta de tempo, uma falta não imputável ao doente, o atraso do início da referida consulta, por motivos a que somos alheios, conduz ou pretende conduzir a uma resposta simples , data com dia e hora, enfim, marcar na agenda.
As dúvidas , os porquês e demais que serão fundamentais para uma decisão consciente, naquele momento, naquele ambiente, tornaram-se secundárias ou mesmo supérfluas.
Contudo, tomei a liberdade de fazer , perante a estupefacção silenciosa de Artur , e indo ao encontro de algumas dúvidas dele, 3 simples perguntas.
- "poderá voltar a jogar futebol?" (Artur estuda, está num Curso Tecnológico de Desporto, pretende seguir essa Área na faculdade, tem projectos delineados nessa matéria. Jogar, significa continuar com seus sonhos, para a frente, sem limitações. A "placa" limitará certamente várias modalidades, várias práticas, afectará seus estudos, seus sonhos e vida . Terá de recomeçar a sua vida, hoje, depois de tudo passado recente, de um zero?)
- a resposta, fria e a seco, num desconhecimento total do jovem surge ..."estou aqui para tratar da saúde dos doentes, não falo de futebol, nem quero saber disso para nada. Mas, quanto a isso, logo se verá, depois...", e, acrescentou que ... "no mínimo 6 meses para a calcinação , solidificação daqueles..." , donde se pode concluir, respostas do que acontecerá, não se sabe.
- "pode haver rejeição por parte do organismo, à placa a colocar?" Numa resposta pronta e rápida, menos mastigada que a antecedente, ..."Oh minha senhora, nunca tal coisa ouvi! Sabe quanto custa os parafusos? ..." A que respondi ..."não sei, nem pretendo saber..." e continuando acrescentou "...os parafusos que eu utilizo são muitíssimo caros..."
Assim, naquele instante apercebemos-nos que o êxito de uma operação deste tipo, são sem dúvida, o custo de uns parafusos para prender uma placa que segurará uns simples ossitos numa testa, sem qualquer outro risco.
Não estavam assim, reunidas condições para qualquer decisão. Nova consulta ficou marcada para Janeiro.
Artur, tinha de saber outras opiniões, quais os riscos.
Afinal, todos sabemos que só o facto de se entrar numa sala operatória, só por si, existe risco. Abrir um crânio, implica pelos menos 2 a 3 riscos: uma hemorragia cerebral, a perca de um líquido pelas narinas permanentemente e um vírus penetrar na zona interna ou cérebro (motivos pelos quais, tem de estar presente um neurocirurgião) ; Com o crânio aberto, e sendo da especialidade neurocirurgia, aproveitando o facto, não acreditamos que o "existente " que deixa a medicina a olhar, uma sequela interior visível em TAC e inédito, não desperte a curiosidade , diversas vezes dito "estudar" e mesmo inicialmente proposto 1 operação dentro de outra, para aproveitamento da anestesia. O risco é enorme, retirar o que não se sabe ser, junto no nervo óptico lá bem no fundo, com sequências muito graves em milímetros de falha - visão total. ; depois, temos uns corpos estranhos, que ninguém garante, salvo este Doutor, que o Organismo não rejeite, não provoque reacções futuras e respectivas consequências; É uma operação que levará entre 4h00 a 5,6, 7, 8h00 ou mais; Tudo correndo bem, passará um período nos Cuidados Intensivos, etc.etc.etc...
Deverá trocar-se o quase bom, quase perfeito, quase normal pela incerteza, insegurança, pelo "logo se vê, depois se pensará?"
Aliás, no dia seguinte, 5/12/2007, foi Artur, a Neuropsiquiatria para lhe ser explicado o resultado dos Testes Cognitivos, os tais que, normalmente são efectuados anos depois...e cujos originais , já lhe haviam sido entregues.
As "sequelas" neste âmbito, que seriam previsíveis , próprias e naturais nestes casos e noutros , são mínimas e revertíveis, isto é tratáveis e curáveis totalmente. Algumas, podem até ser de origem de fabrico, acordadas antes do acidente por outras causas... não importa! Em boa verdade, o que importa e interessa é o presente, o que existe no momento, e isso , a resposta é maravilhosa, tudo vai ficar bem!
Este foi o melhor presente de Natal, para o Artur!
Para mim e seu Pai, que curiosamente se chamam Maria e José, neste Natal, foi o milagre da vida, voltar aos seus braços, vivo, são e salvo, o seu Menino grande, Artur, com nome de Rei , de facto o Rei da Vida, pela vida, mas com vida!!! (redigida pela mãe)
